quinta-feira, 22 de julho de 2010

TRAUMA?

"Ao pé de uma mangueira forma-se o germe da mudança. A fome junta as pessoas e o capital as corrompe."


Muitas pessoas me dizem que as minhas impressões são falseadas, pois estou comovido com o trauma pós catástrofe, é sobre esse ponto que gostaria de partilhar.

Antes de vir para o Haiti como a maioria das pessoas no Brasil, tinha uma visão distante e formava um pré-conceito a partir de generalidades que obtinha de informação, isso fez que quando chegasse eu procura-se um povo esfacelado, pela destruição causada pelo terremoto que sacudiu este pais.

É verdade que encontrei muitos escombros, valas comuns, corpos ainda desaparecidos, enfim todos os componentes que poderiam levar-me mais uma vez á uma conclusão superficial e desta forma juntar-me ao coro que diz que estou sensibilizado com o trauma. Mas vamos aprofundar um pouco mais a conversa, o Haiti é um país Africano fora da África, seus índices de econômicos e sociais são comparáveis aos países africanos mais pobres. O Haiti tem uma população por volta de 11 milhões de pessoas, distribuídos, ou melhor, amontoados em um território de 27.750 k2. Cujas estimativas oficiais dizem que mais de 30% da população foi afetada pelo terremoto, entre mortos, feridos e desabrigados.

Ops. Até aqui a tese do trauma ta confirmada e se reforçava ainda mais quando descobri que ação emergencial que eu iria fazer parte era a de distribuição de alimentos, logo pensei as pessoas perderam tudo, nada mais lógico para a situação se estabilizar distribuir alimento.

Entretanto surpreendentemente descobri que por questão de logística, não estávamos atuando nas zonas mais afetadas, mas mesmo assim tínhamos 114 centros de distribuição de alimentos e desses não passa de 30 os que estão localizados em acampamentos. Ao ir conhecer os locais fui me indagando, que tudo bem que não era a zona mais afetada, mas porque tanta devastação? Porque tanta pobreza? Porque tanta gente com fome? E além de tudo conheci uma canção que se chama “embaixo dos escombros”, que tem uma dança cujos paços lembram o “funk carioca”.

Enfim existe um trauma, mas um trauma mais profundo e mais antigo do que o causado pelo terremoto e eu seria sem coração se não me sensibiliza-se. É verdade que muitos não enterraram seus mortos, mas é verdade também que muitos morreram silenciosamente durante anos nesta terra esquecida. Outra verdade é que este povo sofre com a parte que lhes cabe na balança desigual do capitalismo, ou alguém ai acha que a Missão da ONU no Haiti, é para reconstruir casas, escolas (que por sinal a maioria é privada, escreverei mais sobre isso), hospitais (o SUS aqui seria de luxo). Se não há guerra aqui por que tanta demonstração de força? Por que os militares estão nas zonas mais ricas e nas zonas industriais?

Enfim tem muitas coisas para serem ditas, mas o numero de coisas a serem feitas é infinitamente maior...

Um comentário:

  1. Confesso que achei o título “Trauma?” intrigante, fui ao dicionário pesquisar o significadoda palavra, achei: “É uma lesão ou ferida mais ou menos extensa, produzida por ação violenta, de natureza física ou química, externa ao organismo.”
    Puxa, aí fez mais sentido o texto... realmente o terremoto causou um “trauma” aos haitianos e a ferida ficou muuiiito extensa. Mas antes do terremoto já havia um “trauma” que foi gerado desde de 1791 (Revolução Haitiana), onde escravos se rebelaram e pagaram um preço altíssimo por sua ousadia.....
    O Trauma não é recente.... o trauma já virou um traumatismo... O que será que pode trazer a cura?

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